Análise


Cenário Fiscal para 2023

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Rafaela Vitória

Publicado 22/nov8 min de leitura

Revisamos nossa projeção de superávit primário consolidado para 2022 para 1,2% do PIB e para -0,8% no cenário base em 2023

A proposta da Pec da Transição e o consequente impacto na economia resultam em uma forte deterioração da trajetória futura da dívida pública. Analisamos os possíveis impactos do aumento de gastos proposto para 2023, considerando uma elevação no custo da dívida, inflação mais persistente e crescimento menor, resultante do cenário de maior incerteza.

No cenário base, consideramos um aumento de despesas reais de 5% em relação a 2022, o que seria um aumento do gasto extra teto de R$120 bilhões, somando R$190 bilhões além do limite na PLOA. O gasto em relação ao PIB voltaria para próximo de 19%, o maior valor desde 2019. O superávit de 1,2% em 2022 seria transformado em déficit de quase 1% e a dívida pública subiria para 81% já em 2023, chegando a 94% em 2031. Nos cenários alternativos, teríamos uma estabilização da divida em 2028 em 85%, com gastos extras de R$70 bilhões, e dívida chegando a 98% em 2031 no caso de gastos de até R$175 bilhões.

A volta do crescimento das despesas

Após 6 anos de despesas/PIB em tendência de queda, a nova proposta deve trazer de volta o crescimento real dos gastos públicos. Caso a Pec da transição aprove gastos além da PLOA em R$120 bilhões, teremos um crescimento real de 5% das despesas, que voltariam para o patamar de 19% do PIB. Entre 2016 e 2022, a despesa cresceu 1% em termos reais, bem abaixo da média de 6% observada entre 2003 e 2016. A volta do crescimento real de gastos acima do PIB é um alerta para a potencial deterioração do déficit primário.

No pior cenário, gastos acima do limite do teto podem chegar a R$245 bilhões em 2023

Bem acima dos R$115 bilhões de 2022, ano marcado por aumentos excepcionais relacionados às eleições. E mesmo após o crítico ano de 2020, quando gastos excepcionais no combate da pandemia resultaram em despesas de quase R$500 bilhões, os recursos despendidos acima do limite do teto foram reduzidos para R$128 bilhões em 2021 e devem chegar a R$115 bilhões em 2022.

Vale ressaltar que o aumento no programa Bolsa Família para a manutenção do pagamento de R$600 reais requer R$50 bi em gastos adicionais. A recomposição de outros programas sociais que tiveram cortes maiores, poderia ser atendida com cerca de R$20 bilhões, totalizando R$70 bilhões extra PLOA. Ademais, o orçamento também pode ser revisto com o remanejamento de despesas, sem a necessidade do crescimento linear de gastos.

Crescimento das as receitas

O principal fator para a melhora fiscal em 2022 foi o crescimento da arrecadação. A alta real da receita total do governo deve ficar próxima de 13% no ano. Historicamente, a receita administrada acompanha a evolução do PIB nominal: tanto um aumento da atividade quanto da inflação eleva a receita das empresas e a base tributária, o que resulta na maior arrecadação. Entre 2021 e 2022, a elevação nas cotações das commodities também contribuiu para o cenário favorável da arrecadação.

Privatizações e dividendos estatais

Além do crescimento das receitas administradas, destacamos a receita com privatizações e dividendos de estatais nos últimos 4 anos, que somaram R$330 bilhões, o equivalente a 1,3% do PIB/ano. Para 2023, não somente as receitas com essa rubrica tendem a ser menores, a desaceleração do crescimento da economia, devido ao cenário externo desafiador, deve impactar também as receitas do governo. Caso o governo mantenha as desonerações do Pis/Cofins dos combustíveis, estimamos uma queda real das receitas em cerca de 4% no próximo ano. Esse cenário requer ainda mais cautela do governo pelo lado dos gastos.

Trajetória da Dívida

Após atingir o pico em 88% do PIB em 2020, a dívida bruta deve terminar 2022 de volta ao patamar de 2019 em 75%.

No cenário de gasto extra de R$70 bilhões, a dívida se estabilizaria em 85% a partir de 2028

Mesmo considerando um maior patamar de juros nos próximos anos, devido às expectativas deterioradas. No cenário de um gasto chegando a R$120 bilhões, a dívida pública continuaria em trajetória ascendente até 94% em 2031. E no cenário mais pessimista, R$175 bilhões, esse nível chegaria a 98%.

Concluímos que, após a melhora na conjuntura fiscal entre 2021 e 2022, o cenário para 2023 volta a ter desafios

Concluímos que, após a melhora na conjuntura fiscal entre 2021 e 2022, o cenário para 2023 volta a ter desafios. Com a desaceleração esperada da economia global e o menor crescimento do PIB no Brasil, além das recentes desonerações de impostos implementadas e a ausência de privatizações nos planos do novo governo, o bom desempenho da arrecadação não se repetirá em 2023. Esse cenário requer mais prudência na gestão dos gastos, o que não tem sido a sinalização da Pec da Transição que propõe gastos excedentes de até R$200 bilhões. Esse patamar de despesas, sem uma contrapartida associada, traz de volta um cenário de crescimento da dívida, o que já reflete nas elevadas taxas de juros de mercado. Além disso, o estímulo à demanda pode impactar a inflação corrente, além de desancorar as expectativas, dificultando ainda mais o trabalho do BC. No final, caso o ajuste não seja feito, ele virá na forma de mais inflação, o que impacta justamente as famílias de baixa renda. Não há responsabilidade social sem contas públicas em ordem.


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